Um bebé que chora muito é um bom comunicador! Alguma vez tinha pensado nisto? Se o escutarmos, com atenção e disponibilidade, vamos descobrir a sua linguagem mágica.
Martim tem dois meses e, apesar de ter chegado ao mundo há tão pouco tempo, sabe comunicar muito bem as suas necessidades, preferências e desagrados. À sua maneira. Madalena é mãe de primeira viagem, mas aprendeu a “decifrar” o seu bebé, escutando-o. Confia no “diálogo” que estabelecem e percebe os seus queixumes e desconfortos, acudindo sempre aos seus chamamentos. Acima de tudo, confiam um no outro.
Apesar de não trazerem livro de instruções, os bebés vêm equipados com um “software” básico, mas muito eficiente, que dá indicações precisas sobre as suas necessidades: o choro. Choros distintos e decifráveis. Mas como conseguem os pais, sobretudo os inexperientes, compreender esta linguagem, que se traduz em choros únicos, bocejos mais ou menos expressivos ou expressões faciais subtis? É preciso ouvir, observar, confiar e respeitar. Primeiro que tudo é fundamental que os pais estejam convictos das suas competências e capacidades. Depois, que estejam disponíveis para alimentar esta relação dinâmica, que não é mais do que uma descoberta partilhada, essencial para o bom desenvolvimento emocional e social do bebé.
“Estamos habituados à comunicação do dia a dia, em que falamos uns com os outros e exprimimos as nossas necessidades e desejos, mas o recém-nascido fá-lo de forma diferente. Na realidade, ele traz um guia, só que é muito diferente do nosso”, refere Joana Rombert, terapeuta da fala e familiar e autora do livro “A Linguagem Mágica dos Bebés” (Esfera dos Livros). “Não há nada mais básico do que a comunicação do recém-nascido: o choro é a sua única linguagem”. Porém, para os pais, nem sempre é fácil lidar com esse choro, porque o associam a sofrimento. “Temos de olhar para isto desta forma: se o bebé chora muito é sinal de que é um bom comunicador!”. Então é preciso escutá-lo. “O que os pais devem fazer é tentar perceber porque chora: Já comeu? Tem sono? Tem frio? Há pais que conseguem diferenciar bem os choros, outros não. É natural que fiquem baralhados”, relativiza a especialista. O segredo “é tentar responder ao máximo à necessidade do bebé, é estar lá e escutá-lo”.
Para ajudar os pais a identificar melhor os diferentes tipos de choro e a decifrar a linguagem dos bebés, Joana Rombert escreveu um livro prático, recheado de exemplos, jogos e estratégias que ajudam a estimular e a desenvolver a comunicação com o bebé.
“O bebé é um ser maravilhoso e mágico, que sabe o quer e o que precisa e tenta fazer o máximo que consegue. Não são manhas, são reflexos ainda muito primários. Os pais vão sentindo mais segurança nesta comunicação à medida que vão confiando mais no bebé”, sublinha a terapeuta da fala.
O que dizes, bebé?
Com a devida atenção (e com o tempo), é possível começar a perceber que há diferentes tipos de choro, que indicam necessidades distintas. Ainda antes do bebé começar a chorar, já dá indicações do que pretende. “Na fase pré-choro, o bebé imite determinados sons que ajudam a perceber o que vem lá. Por exemplo, quando o bebé está com fome, antes de chorar, emite um ‘né…né…né’ porque a língua está cá em cima, para fazer a sucção e, então, o som sai assim”, explica Joana Rombert. Ou seja, está associado à parte fisiológica. Por outro lado, o choro do cansaço “assemelha-se a um bocejo e o som sai mais próximo de ‘óóóóó’”. A especialista lembra que “os movimentos da boca também ajudam a perceber o que ele quer”. Ou seja, “temos várias pistas, que este livro ajuda a descodificar, que os pais podem identificar”. E mesmo que não consigam discriminar todos, “conseguem discriminar um ou dois… Já é bom!”. O mais importante, volta a sublinhar, “é responder sempre à necessidade do bebé, porque quanto mais responder mais ele sente que é atendido e vai querer comunicar”. É assim o jogo da comunicação.
Embora ainda não compreendam muito do que lhes é dito, a verdade é que o bebé gosta de comunicar. Sobretudo se lhe falarem em “maternalês”: “Sabemos que ao falar num tom diferente com o bebé (mais agudo, mais pausado e expressivo) estamos a tentar igualar ao máximo a sua linguagem. Fazemo-lo de forma inconsciente e fazemo-lo na perfeição”. Este maternalês é uma língua universal em que a entoação, o falsete, a articulação dos sons e a própria expressão facial estimulam o bebé a comunicar. “Quanto mais fazemos isto, mais os bebés respondem”. Segundo Joana Rombert, “os bebés mais expostos a este maternalês têm mais facilidade em apreender os sons e os ritmos da fala”. Isto porque neurologicamente, “os bebés escutam melhor e apreendem melhor as entoações mais elevadas”. O seu ouvido está “mais desperto para este tipo de sons e entoação”. Até porque o bebé tem como referência a voz da mãe e, por isso, prefere vozes agudas a vozes graves. “Mesmo quando o pai fala em falsete, o bebé prefere sempre a voz da mãe…”
Comer e falar
Nos bebés, a comunicação e alimentação andam de mãos dadas. O tamanho da boca e a mastigação, por exemplo, são fatores que influenciam a capacidade do bebé dizer determinados sons. E tudo tem o seu tempo. “Por volta dos seis meses, os bebés já comem papas e sopas; em termos orais as estruturas estão maiores e já há espaço para inserir a colher. Até então só há espaço para o mamilo ou a tetina. A boca não está preparada para a colher, não cabe, não funciona… Nesta idade, o bebé começa a balbuciar e a emitir mais sons. Por volta dos nove meses, já faz o jargão e emite mais sons. A partir desta etapa, também se introduz mais sólidos”. Ou seja, há claramente uma ligação entre os sons que o bebé emite e o desenvolvimento da boca e aquilo que come e mastiga. “A boca está preparada para estas duas funções”, refere Joana Rombert. “Com as primeiras palavras, por volta do ano, a criança já mastiga de um lado e do outro… É uma associação importante”, sublinha.
Estas etapas são comuns a todos os bebés, embora cada criança seja única e cada família tenha o seu próprio estilo de comunicação, que deve ser respeitado. No entanto, existem estratégias que podem facilitar o processo da comunicação. “Não há regras, nem receitas, mas há padrões… as estratégias são diferentes de bebé para bebé, de família para família”, adverte Joana Rombert, sublinhando que “o mais importante é termos tempo para parar e escutar, e não estarmos em stress ou cheios de dúvidas”. Só assim é possível “seguir o guia daquele bebé”. Com a certeza de que ele “faz o melhor que consegue e nós respondemos da mesma forma”. Ainda assim, a terapeuta lembra que há momentos na comunicação em que as pessoas se desencontram. “É natural, nem sempre há sintonia. E isso causa insegurança. Mas é preciso ter em mente que vai acontecer ao longo da vida…”.
PRINCIPAIS SINAIS DE ALARME
Ao longo do desenvolvimento, há várias etapas e vários sinais de alarme a que os pais devem estar atentos. Saiba quais são os mais importantes:
Entre as quatro e as seis semanas: se o bebé não reage à voz humana (não vira a cara em direção ao som);
Aos três meses: se o bebé não sorri;
Entre os seis e os nove meses: se o bebé fala de forma muito monocórdica (pode ser sinal de que não ouve bem);
Aos 18 meses: se o bebé não diz uma palavra que se perceba;
Aos dois anos: se o bebé não compreende linguagem simples, como “anda cá”, “senta aqui”, “vamos bater palminhas”.
Os profissionais de saúde estão atentos a estes sinais, mas Joana Rombert lembra que também é importante que os pais estejam vigilantes, porque “são eles que melhor conhecem o bebé”. E adverte: “Quando temos um sinal de alarme, temos de intervir”.
A LINGUAGEM MÁGICA DOS BEBÉS
O choro é a única forma de comunicar do recém-nascido. Nem sempre é fácil ou óbvio perceber o que ele quer dizer, mas é possível. Joana Rombert, terapeuta da fala e familiar, ajuda a descodificar, no livro “A Linguagem Mágica dos Bebés”, os diferentes tipos de choro do bebé, dá exemplos e sugere estratégias e jogos para estimular a linguagem e a comunicação dos zero aos três anos. “À medida que se desenvolve, a criança apropria‑se da língua, imitando, adequando, integrando e dominando o código. Desta forma, o bebé adquire as competências comunicacionais e linguísticas necessárias para ser capaz de dominar a língua, ter uma fala inteligível e uma estrutura sintática correta”. Cada etapa é única e o ritmo, o estilo e o temperamento do bebé deve ser sempre respeitado. “O mais importante é confiar no bebé, no seu desenvolvimento, acreditando que ele faz sempre o seu melhor, sabe o que é melhor para si e tenta transmiti‑lo da melhor forma que consegue”, sublinha. Ao longo das quase 250 páginas, Joana Rombert procura “dar informação sobre as várias etapas de desenvolvimento da criança e de como estas se interligam com a comunicação e linguagem”. O objetivo é “despertar o olhar dos pais ou cuidadores para o desenvolvimento dos bebés, para que possam estar atentos e agir”. Em cada capítulo, “há sempre uma história real, com informação sobre essa etapa de desenvolvimento, e estratégias ou jogos que são encontrados em conjunto com cada bebé e família”.