Com o aumento da esperança média de vida e o envelhecimento da população, os problemas cardiovasculares tornaram-se uma das principais causas de morte em Portugal. No entanto, muitas destas doenças podem ser prevenidas através da adoção de estilos de vida saudáveis e de um acompanhamento médico adequado. Uma das ferramentas mais úteis para avaliar a probabilidade de ocorrência de eventos cardíacos é o score de risco cardiovascular. Este indicador permite calcular cientificamente o risco de uma pessoa desenvolver doenças cardiovasculares nos próximos anos, tendo em conta diversos fatores clínicos e comportamentais. Neste artigo, iremos explorar em profundidade o que é o score de risco cardiovascular, como é calculado, quais os modelos existentes e como interpretar corretamente os resultados.
O que é o Score de Risco Cardiovascular e como é calculado?
O score de risco cardiovascular é uma estimativa baseada em dados clínicos, laboratoriais e hábitos de vida que permite prever a probabilidade de ocorrência de eventos cardiovasculares, como enfarte do miocárdio, AVC ou morte súbita, num determinado período de tempo (geralmente 10 anos). É uma ferramenta essencial na medicina preventiva, ajudando médicos e doentes a tomarem decisões mais informadas relativamente à prevenção e tratamento das doenças cardiovasculares.
Existem diversos modelos desenvolvidos a nível internacional para o cálculo do score de risco cardiovascular. Entre os mais reconhecidos estão:
- SCORE (Systematic Coronary Risk Evaluation): Utilizado amplamente na Europa, incluindo Portugal, este modelo avalia o risco de morte cardiovascular em 10 anos, tendo por base fatores como idade, sexo, níveis de colesterol total, pressão arterial sistólica e hábitos tabágicos.
- Framingham Risk Score: Desenvolvido nos Estados Unidos, este modelo calcula o risco de desenvolvimento de qualquer tipo de evento cardiovascular (não apenas morte), incluindo enfarte e AVC, baseado em variáveis como colesterol HDL, colesterol LDL, diabetes, história familiar, entre outros.
- QRISK: É um modelo mais recente, desenvolvido no Reino Unido, que inclui um maior número de variáveis, como aspectos étnicos, presença de doenças autoimunes e outros fatores adicionais que afetam o risco cardiovascular.
Em Portugal, tem-se dado preferência ao modelo SCORE, adaptado especificamente à população europeia do sul, com dados epidemiológicos ajustados à realidade portuguesa. Este modelo permite uma estratificação de risco em quatro categorias:
- Baixo risco: <1% de risco de morte cardiovascular em 10 anos.
- Risco moderado: 1% a <5%.
- Risco elevado: 5% a <10%.
- Risco muito elevado: ≥10%.
Para um cálculo fiável do score, é fundamental que o médico recolha dados clínicos atualizados e completos. Medições imprecisas, subestimação de fatores de risco (por exemplo, o consumo de tabaco) ou ausência de exames laboratoriais recentes podem comprometer a exatidão da estimativa e, consequentemente, as decisões terapêuticas.
Importância clínica e implicações do score de risco cardiovascular
Calcular o score de risco cardiovascular vai muito além da simples previsão estatística. Este cálculo tem implicações clínicas diretas no acompanhamento e tratamento dos utentes. A sua principal função é apoiar a estratificação de risco para a tomada de decisões personalizadas, nomeadamente:
- Determinação da necessidade de intervenção farmacológica: Indivíduos com risco elevado ou muito elevado podem beneficiar de terapêuticas específicas, como estatinas, anti-hipertensores ou antiplaquetários, mesmo na ausência de sintomas clínicos visíveis.
- Avaliação de prioridade em rastreios adicionais: Pacientes em categorias de risco mais alto poderão necessitar de exames complementares, como ecocardiogramas, TAC coronário, ou teste de esforço.
- Promoção de mudanças de estilo de vida: Mesmo em pessoas com risco baixo ou moderado, o score serve como uma ferramenta educativa que incentiva a adoção de comportamentos saudáveis, como a cessação tabágica, a prática regular de atividade física, a alimentação equilibrada e a gestão do stress.
- Motivação para seguimento médico regular: A consciência do risco pessoal estimula a adesão ao plano terapêutico estabelecido pelo médico, contribuindo para um controlo mais eficiente da pressão arterial, dos níveis lipídicos e do metabolismo glicémico.
Curiosamente, muitos dos indivíduos que apresentam eventos cardiovasculares graves nunca tiveram sintomatologia prévia. Isso torna o score de risco ainda mais importante como ferramenta preventiva, identificando populações aparentemente saudáveis, mas em risco elevado e que requerem atenção especial.
Além disso, o score permite ao clínico comunicar com clareza e objetividade os riscos ao utente, traduzindo os dados médicos em percentagens tangíveis e comparáveis. Esta linguagem baseada em evidência científica cria uma relação médico-doente mais transparente e cooperativa.
Por fim, é relevante destacar que o score de risco cardiovascular não é estático. A sua validade depende de uma reavaliação periódica, especialmente quando ocorrem mudanças no estilo de vida ou surgem novas condições médicas. Uma pessoa pode reduzir significativamente o seu score de risco com alterações comportamentais eficazes e tratamento adequado. Da mesma forma, o risco pode aumentar com o envelhecimento, ganho de peso, início de diabetes ou abandono da medicação.
Portanto, o score de risco cardiovascular deve ser entendido como uma ferramenta dinâmica e integrada na prática clínica regular.
Em suma, o score de risco cardiovascular é uma ferramenta essencial na prevenção e gestão das doenças cardiovasculares. O seu cálculo permite identificar indivíduos com maior probabilidade de desenvolver eventos cardíacos e implementar medidas de prevenção atempadas e eficazes. O modelo SCORE, utilizado em Portugal, oferece uma abordagem adaptada à realidade nacional, suportada por evidência científica sólida. No entanto, é fundamental que este instrumento seja usado com rigor e que os resultados sejam interpretados por profissionais de saúde qualificados. Ao promover uma vigilância ativa e personalizada, o score de risco cardiovascular contribui substancialmente para a melhoria da saúde pública e para a redução da mortalidade associada a doenças cardíacas.